quarta-feira, 6 de março de 2013

XX Supermaratona de Rio Grande - Concluida

As 5h30 da manhã o despertador gritaaaaaaaaa! Esta na hora de encarar meu maior desafio até agora. Os temíveis 50k da Supermaratona de Rio Grande, percurso 99% plano, dividido em vários tipos de piso. Pulo da cama, caminho até a janela, observo o tempo lá fora, esta quente, nublado, abafado e logo penso: hoje será um bom dia para quebrar. Tomei um banho demorado, vesti a sunga, calção, coloquei perfume no Manto Coral e fui tomar café para tentar amenizar a ansiedade que estava sentindo. Barriga cheia, cinto de hidratação equipado, boné na cabeça, chegou a hora do deslocamento até a largada em frente a SAC (Sociedade Amigos do Cassino), na praia do Cassino, balneário de Rio Grande. Consta no Guiness Book (Livro dos Recordes) como a maior praia em extensão do mundo - tendo assim mais de 254 km de comprimento, se estendendo desde a cidade do Rio Grande até o Chuí, no extremo sul do Brasil. A logística já é difícil para quem vai fazer a prova e é do estado, imagino para os maratonistas vindos de outros estados do país. O Cassino fica a 18km do centro de Rio Grande, portanto para não sofrer como eu e ficar em Rio Grande, faça a sua reserva antecipadamente em um hotel na praia de onde é dada largada da competição. Saímos minha esposa e eu, do hotel Arpini, localizado na av. Presidente Vargas, as 6h20, rumo ao Cassino. Durante o percurso até a praia, eu estava muito nervoso...tremendo como criança que vez algo errado e os pais descobriram, afinal este tipo de prova não fazia parte do meu curriculum. Restavam algumas dúvidas ainda quanto a  reposição energética e correr de óculos ou não. Chegamos ao Cassino, exatamente as 6h48, muitos atletas já estava fazendo aquecimento e eu nem os tênis havia calçado, dispensei os óculos, pois já estava com o cinto de hidratação e se não me adaptasse aos óculos seria mais uma peça a carregar, afinal de contas estava nublado mesmo...só o boné basta  - eu pensei. Coloquei o nervoso (nome do tênis que levei para esta corrida), amarei o chip, ajeitei o boné na cabeça e me dirigi para perto dos competidores o mais rápido que pude, pois faltavam apenas 2 minutos para o inicio da supermaratona. Olhando para todos os lados e me sentindo um peixe fora d´agua, pois a galera ultra tem um ritual, que é chegar no brete e sair comprimentando a todos desejando boa prova e distribuindo apertos de mão. Mas como sou um bom dançarino logo peguei o jeito e sai desejando ótima corrida a quem estava por perto. Motos enfileiradas, carro da reportagem alinhado, SAMU a postos e a cirene do caminhão do corpo de Bombeiros dispara. Os Bombeiros de Rio Grande, foram homenageados nesta edição da prova pelo centenário da corporação. Achei grandiosa a iniciativa já que estes profissionais assim como os corredores superam seus limites e seus medos a cada chamada, valorosos homens de fibra que colocam seus vidas em risco para salvar ao próximo.
Os locutores anunciam:
- Foi dada a largada para XX Supermaratona da Cidade de Rio Grande, serão cinquenta quilômetros, pela nossa cidade retornando pela beira da praia. Os primeiros três quilômetros serão pelas ruas do Cassino. Boa sorte corredores!!!
Volta de apresentação
E lá fomos nós as 7h em pontualmente, fazer a volta de apresentação, cada um tentando acertar o ritmo em meio a saraivada de aplausos do público que acordou com as cirenes do caminhão de bombeiros. Foram 183 escritos para a edição deste ano da prova, eu larguei sem pressão, da metade para trás do pelotão, fazendo cia. a dois atletas dos correios pela avenida principal em direção a Rio Grande. Fiz o retorno em direção a SAC, brigando com o cinto de hidratação que teimava em ficar subindo pelas minhas costas, eu olhava as camisas dos participantes que vieram dos mais diversos estados e cidades do Brasil (Pará, Rio de Janeiro, Curitiba, Cascavel,  São Paulo, Belo Horizonte), só para distrair. Retorno novamente, passeio sobre o tapete eletrônico, e agora sim estava valendo...seguimos pela avenida Rio Grande em direção à ERS 734, para encarar um mar de asfalto. Corria tranquilo buscando um ritmo bom (não uso relógio), um pace que me proporcionasse chegar até o km50 da prova, afinal treinei e me mantive focado nos meses que antecederam a competição, para que neste dia tudo acontecesse dentro do planejado. O pior foi comparecer ao aniversário de um amigo na sexta-feira, churrasco, samba/pagode e não beber nada e ainda acordar na manhã de sábado e rodar os 310km até a cidade portuária. Achei o ritmo depois que colei em cinco atletas no km05, formávamos um paredão, lado a lado, como em um desfile de parada militar. Dois quilômetros depois, a configuração havia mudado, eu e um outro corredor de Poa, na frente e o restante do grupo no vácuo. No km09, um pouco antes da entrada na av. Itália, já com os corredores separados por alguns metros, foquei em alcançar uma pequena corredora de camisa azul e rosa, estava a mais ou menos mil metros e num ritmo constante, antes dela, dois competidores correndo juntos, próximos de mim, mas igualmente a frente. Estava separado deles uns 500 metros. Para chegar ao meu objetivo teria que cortar o "cordão umbilical", estabelecido com o atleta de Poa, e sair da zona de conforto em que me encontrava. Abri o passo e fui ao ataque, mas não foi nada fácil, demorei bastante para chegar até eles. O primeiro um senhor negro, baixo, vestido de calção e camisa vermelha, chamado Jorge de Carvalho. O segundo um rapaz magro, biotipo de maratonista, óculos de grau, viseira na cabeça, camisa da prova e calções pretos, de nome Moisés Carmona. Eles marcariam o restante da minha prova. Cheguei neles no km14, final da avenida Santos Dumont, me apresentando aos dois, que logo responderam com alegres saudações. Estava com um ritmo bom, me sentindo ótimo, inteiro, parecia que poderia correr a minha vida toda daquela forma. Na entrada da avenida Presidente Vargas, antes do pórtico de entrada da cidade, retirei do cinto de hidratação o primeiro sachê de carboidrato, reduzi a velocidade para pegar água no posto de reabastecimento do km17 e ganhei um espelho, Moisés, não era aquele do Egito antigo e sim da cidade de Cascavel/PR, ultramaratonista a três anos, chegou e disse:

- O teu ritmo é bom, é melhor que o meu, vou correr com você. Tudo bem?
Respondi:
- Cara vamos lá então, mas nem sei qual o meu ritmo. Hoje eu quero é terminar a prova.
Passamos a correr espelhados, colados, lado a lado, fomos trocando ideias, falamos de comida, futebol, sobre trabalho e é claro corridas.
- Quantas maratonas você já completou? Ele perguntou.
- Uma. Estou na transição entre as meias e as maratonas, mas era questão de honra participar desta prova.
- Cara teu ritmo tá muito forte.
- É mesmo? Como estamos?
- 4 minutos e 24 segundos por km.
Porra, forte mesmo eu pensei, mas fiquei com vergonha diante daquele ultra muito rodado de revelar não ter estratégia pronta e que desejava somente me divertir, e que também estava na missão e no compromisso comigo mesmo de alcançar a moça de camisa azul e rosa. Limitei a resposta a um simples:
- Daqui a pouco vamos diminuir então.
A distância entre ela e a gente diminuía, eu sempre focado, enquanto o passeio pelas ruas do centro de Rio Grande prosseguia, passamos pelas avenidas Rheingantz, rua 24 de Maio, rua Marechal Floriano, atrás dela. Finalmente alcançamos e passamos por ela no posto de água, no inicio da avenida Marechal Andréa, km29. Um alivio para mim e minhas pernas, que já começavam a dar sinais que aquela brincadeira de gato e rato, e o ritmo forte para a prova, não poderiam dar em boa coisa. Saímos da Marechal Andréa, dobramos a direita e entramos na zona do porto mais precisamente na avenida Honório Bicalho, o ritmo mais lento agora, veio acompanhado por uma notícia ruim e outra boa, e por um corredor baixinho e forte, de camisa branca e bermuda de compressão, bufando e pedindo passagem. A avenida era nossa , mas nenhum dos três fazia festa ou pulava, ou ainda...falava. Talvez abalados ou pegos de surpresa pelo surgimento do sol, quente e radiante ou ainda pela péssima notícia dada pelo fiscal de prova.
- Vocês vão encontrar vento sul quando pegarem a BR392 (avenida Almirante Maximiano da Fonseca), disse ele.
Logo pensei:
- Vai dar merda, minhas pernas estão pesadas...não vai dar.
A outra informação era quanto a nossa colocação geral: 37 e 38.
Diminui ainda mais o ritmo e liberei os ligeirinhos para prosseguirem sem carregar a mala. Sabia que quando entrasse pela BR392, faltariam menos de 19km para o fim da prova. Terceiro sachê de carboidrato e lá fui eu, agora num trote apurado, olhando os meus antigos colegas se distanciarem cada vez mais. Estava sozinho com meus pensamentos e lutando contra as câimbras que nem deram aviso e já chegaram fazendo estragos e causando dores na parte posterior da perna direita. A dor não iria me vencer, estava determinado a concluir a prova. Mirei alguns atletas na reta sem fim que é a BR392, em frente ao superporto de Rio Grande, onde estão sendo construídas as plataforma P55 e P58, entre outras. Os três estavam divididos dentro de uma faixa de oitocentos metros  pelos meus calculos. No km35, depois de me hidratar e caminhar um pouco, teve inicio a brincadeira de gato e ratos. O primeiro que deveria "buscar" era um atleta de camisa azul e óculos escuros, acompanhado por um camelo (apoio), quando acertei o passo para encarar esta batalha algo me surpreende, ou melhor uma voz feminina:
- Vamos lá amigo, agora falta pouco, não para não.
A moça de camisa azul e rosa, passou por mim no km36, e partiu em disparada para cima dos meus alvos. Ela é Neli Rosa de Oliveira, terceira colocada na geral feminina. Agora era minha vez.. cheguei no primeiro e já observava os outros dois um pouco a frente e ambos com câimbras usando a mesma tática, de caminhar enquanto bebiam água fornecida pelos organizadores nos postos de hidratação. Corri por um tempo ao lado do atleta com apoio, que me fez a gentileza de emprestar o gelol que estava na bike. Agradeci e seguimos calados debaixo do sol castigante e do vento sem trégua. Alcançamos primeiro um rapaz com camisa amarela com listas azuis, do interior de São Paulo, que sofria com dores nas panturilhas. Pedi o gelol ao biker, e entreguei ao rapaz que logo utilizou em suas pernas. Parada para beber água e mastigar alguns damascos que retirei do cinto de hidratação no km38. Ofereci ao rapaz que parou comigo, mas ele não aceitou e logo estávamos correndo novamente torcendo para enchergar os moles, pois depois faltariam oito quilômetros a beira mar.
Chegamos no atleta com apoio que estava acompanhando pelo meu terceiro alvo. Um senhor alto, grisalho, com canelitos brancos da marca flets com problemas na lombar, mas firme no seu ritmo. Este senhor tinha o apoio da sua família que o acompanhava em um sedã médio dourado com placas de Rio Grande. Depois de seis quilômetros de trote, recuperei um pouco das energias quando avistei os molhes da barra com suas vagonetas coloridas e decidi que era hora de deixar o grupo e seguir carreira solo contra o vento sul nas areias da praia do Cassino, afinal sai de tão longe para correr e gostaria de concluir a prova assim . Quando toquei a areia no km42, senti um prazer imenso pois sabia que havia encontrado tudo que tinha buscado quando decidi participar da supermaratona, sem competir contra o tempo fui para me divertir e testar meus limites de concentração e determinação.
Molhes da Barra e suas Vagonetas
Estava tão distraído em meus pensamentos que não percebi o corredor ao meu lado sorridente e simpático fazendo a seguinte pergunta:
- E ai meu irmão, vamos juntos até o final...agora que falta pouco um tem que dar apoio ao outro.
Era Jorge de Carvalho, o baixinho todo de vermelho com seu sotaque carioca e seu jeito único de correr.
Então tá, outro espelho no final da prova para minha alegria. JC, me confessou que estava sofrendo problemas de câimbras desde o km37, mas não iria desistir por isso, só ficou triste pq. não iria bater o tempo do ano passado. Começamos a conversar sobre assuntos diversos, as dificuldades da prova e a vontade de chegar logo para beber umas bem geladas. Conforme a gente avançava pela praia o número de pessoas e veículos aumentava, a circulação de carros é permitida na grande faixa de areia.
Faltando cinco quilômetros para o final já estávamos fazendo festa com os banhistas e duas competidoras passaram por nós, disputando a quarta e quinta colocação na geral feminina, ficamos olhando um para o outro com um sorriso no rosto quando ele disparou:
- Você aposta em quem?
- Vou apostar na moça alta, de calção preto e canelito.
- Ok. Fico com a outra.
Mas quem disse que tínhamos pernas para acompanhar elas...sem chance, era o nosso limite. Elas chegaram cerca de cinco minutos a nossa frente.

Paramos no km48, para beber água e combinar que não haveria mais paradas mesmo com dores iriamos correndo até o fim. Com incentivo da galera bronzeada e dos fiscais de prova, seguimos até a av. Beira Mar, depois a direita na rua de paralelepípedo, que na verdade é chama-se Rio Grande, foram 150 metros até a SAC, onde tudo começou e terminou com a locutora anunciando nossos nomes e respectivos estados. A faixa foi montada o público aplaudia e vibrava não estamos competindo para ver quem chegaria primeiro, o povo entendeu o nosso espirito de camaradagem. Deixei o "velho" Carvalho, cruzar a faixa, passar o tapete eletrônico e lhe dei um forte abraço de agradecimento e respeito, afinal não é todo dia que se completa 50k em 4h25min.
Chegando lado a lado

Moisés completou a prova em 3h59min. Ficando em 5 lugar na cat. 34/39 anos e número 22 na geral masculina.
JC completou a prova em 4h25min. Ficando em 6 lugar na cat. 50/54 anos e número 39 na geral masculina.
Eu completei a prova em 4h25min. Ficando em 8 lugar na cat. 34/39 anos e número 40 na geral masculina.
A premiação contemplava até o 10 lugar de cada categoria, mas as dores e o horário tarde da cerimônia me impediram de ficar.



Alongando na supervisão do meu amigo JC.

5 comentários:

  1. Nossa, amigo, parabéns pelo percurso e pelo emocionante relato. És craque. Meu carinho e admiração.

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  2. Obrigado Ivana. As dicas para que eu pudesse concluir esta dificil prova foi o nosso amigo Beto(BOPE),que passou pra mim. Abraço

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  3. Parabéns amigo Maurinho. O Mundo Baleias orgulha-se de sua performance. Eu corri aí em 2011 e o Wu torceu muito para que eu não completasse no tempo limite e ele virasse ultramaratonista sozinho, raspei no tempo mas terminei dentro. Grande abraço. Miguel Delgado.

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  4. Obrigado Miguel! Esta prova é dificil por varias razões...feliz é aquele que consegue cruzar a linha de chegada.

    Abraço!

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  5. Caro, Maurinho, Parabéns pela excelente prova, brother!!!!
    Como te disse durante o percurso e você citou acima, realmente aquele não era o meu ritmo, estava forte pra mim. Mas somente por ter te acompanhado por tantos quilômetros que consegui minha meta, chegar a baixo das 04h! Objetivo alcançado na parceria!rsr
    Grande abraçoo! Nos vemos na estrada!!

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